segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Outros tempos

Aos domingos à tarde, ali para o lado da rua de cima, o realejo começava a tocar logo depois do jantar. O jantar era a refeição do meio dia, a da noite, era a ceia.
Depois do jantar, então, rapazes e raparigas vinham aos grupos para o baile que era a única distração que havia na aldeia.
Não havia electricidade e por consequente também não havia conjuntos, altifalantes ou televisão. A rádio era pois a única ligação ao mundo moderno e as familias juntavam-se em volta do pequeno aparelho para ouvir os "cantores na emissora".
Nessa altura, o serão fazia-se fora, para desfolhar o milho ou devagar as vagens e no inverno estava-se à lareira à luz da candeia. O combustível era o petróleo, mais barato e mais prático que o azeite que tanto trabalho dava, antes de ser aquele líquido precioso e dourado. O azeite também se poupava porque era um alimento e o seu uso para alumiar era reservado sobretudo para alumiar à Sagrada Familia e ao Santíssimo Sacramento.
Mas tenho a impressão que estão a pensar que lhes estou a falar do século XVIII ou XIX, não é ?
Estou-lhes a falar do século XX, da segunda metade. Parece tão longe e tão perto ao mesmo tempo.
Para aqueles que conheceram essa época, tenho a certeza que as recordações estão de novo a fazer-lhes viver momentos que já quase tinham esquecidos num cantinho do cérebro.
Este blog é terrivel, faz-nos voltar ao passado, como uma viagem inconsciente, como se não tivessemos mais força para resistir.
Naqueles bailaricos de que lhes falei no início, ao som do realejo ou da concertina, até parecia que ninguém andava cansado do duro trabalho do campo. Havia amizade, qualidade característica dos pobres, havia animação, havia respeito, eram outros tempos.
As raparigas deviam ir cedo para casa, sempre sob a vigilância das mães.
Quando chegou a televisão, só havia duas ou três, na taberna do ti Zé Cadavez ou do ti Corecho e não sei bem se havia em alguma outra casa logo no início.
As tabernas eram os centros de convívio da aldeia. Porém, só os homens e as crianças é que lá iam, porque não era bonito as mulheres irem para as tabernas.
De vez em quando, as mulheres lá ultrapassavam a linha amarela para ir ver na televisão os ranchos a dançar folclóre e por vezes para ver a tourada, espectáculo que não é tradicional da região.
Ainda me lembro da minha avó Carlota, que gostava muito de ver os ranchos. Era a sua única distração, porque nos outros dias deitava-se cedo. Lá ia ela então para ao pé da tia Delmina Corecha, de quem era bastante amiga.
Depois os bailes começaram a mudar e só já se dançava ao som do altifalante. Dedicavam-se discos para os amigos ou as namoradas, por vezes para a família que tinha emigrado, mas não vinha à ideia que os familiares nunca ouviam o disco que lhes era dedicado.
Já me esquecia de lhes falar do telefone.
"Tá lá Vale de Salgueiro ? Tá Vale de Salgueiro ?"
Por vezes era : "Tá Mirandela ? Mirandela ?"
E durante longos minutos, nem Vale de Salgueiro nem Mirandela.
E a tia Zulmira fartava-se de dar à manivela para fazer tocar o telefone em Vale de Salgueiro ou em Mirandela. Sem sucesso.
Hoje isso parece impossível tão facil que é de chamar de qualquer télémovel. Outros tempos...
Também não havia água canalizada e ainda menos máquinas de lavar roupa.
Então, a água ia-se buscar à fonte ou à bica (quando corria). A roupa lavava-se no ribeiro, junto à fonte do bairro. Quase se podia dizer que ali era o lugar com mais vida na aldeia.
Havia sempre alguém a lavar e a roupa a corar ao sol ou a secar era um espectáculo que nos parecia não ter importância nenhuma pelo facto de fazer parte do nosso dia a dia, mas hoje parece-me que as imagens nunca foram apagadas da memória. É porque era bonito e devia ter a sua importância. Senão, certamente que não me lembraria disso.
São duas da manhã, então vamos ficar por aqui.
Mais tarde, falaremos de outras coisas que também já mudaram com o tempo ou que até já não existem.
Outros tempos, outros usos, outros métodos.
E se ainda se lembra destas coisas, de que talvez até tenha saudades, não hesite em deixar o seu comentário.
Até breve...

Sem comentários:

Enviar um comentário