segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Naquele tempo

Nos anos sessenta, devia haver em Vale de Telhas um pouco mais de mil habitantes.
 Não tenho bem a certeza mas parece-me que não havia nenhum automóvel nem nenhum tractor agrícola. Havia só uma carrinha de caixa aberta, a do senhor Armando, que ia vender bebidas nas festas das aldeias das redondezas.
 Os trabalhos do campo eram feitos com a ajuda de burros ou de machos. Durante a noite, os animais dormiam no rés do chão das casas, nas lojas como lhes chamamos. Não sei se isso tinha alguma consequência sobre a nossa saúde mais era uma prática generalizada.
 Os animais trabalhavam duro mas os homens também. Levantavam-se ao cantar do galo, e já estavam a trabalhar quando o sol nascia. Nessa altura, os galos ainda cantavam a horas correctas. Hoje em dia, certamente por causa da iluminação das ruas durante a noite, os galos já não cantam quando pertence e o lavrador não lhes pode fazer confiança para o despertar.
 Mudaram os tempos e até os galos perdem os padrões da vida da aldeia. Agora são os sinos da igreja que lembram que são horas de se levantar. Se é que alguns ainda precisem disso. As pessoas habituadas a levantar-se cedo há anos, não conseguem ficar na cama até tarde embora os jovens se lamentem destes hábitos de outros tempos. Raios de velhos que não deixam dormir ninguém quando se vem tarde (ou cedo) da discoteca !
 No inverno, deitava-se palha nas ruas, não só para sumir a lama que era muita e se poder circular mas também para fazer estrumo para fertilizar as terras agrícolas. É verdade que os burros não esperavam de chegar a casa para fazer as suas necessidades e até parecia que os excrementos dos burros dos outros eram melhores.
 No verão, tudo mudava. Vivia-se na rua até tarde e não era raro de ver a família e os amigos a desfolhar o milho ou a "devagar" o feijão que se tinha apanhado durante o dia.
 Esses momentos marcaram a minha infância e ainda hoje sinto nostalgia dessa época. Não só porque eram momentos alegres onde se cantava, se contavam histórias ou se dizia mal dos outros, sobretudo porque eram momentos de solidariedade, de convívio, de vida em sociedade, de conhecimento dos outros e de partilha.
 Hoje, quase tudo isso desapareceu. Cada um descobriu que as novas asas que tinha lhe permitiam de voar só, embora nos momentos difíceis da vida se recorde que só não se consegue fazer nada. Já dizia a canção : "tu sozinho não és nada, juntos temos o mundo na mão".
 Mas vamos ter a ocasião de falar disso tudo mais tarde.

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