segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Alheiras de Mirandela (1)

Não lhes podia falar de Vale de Telhas sem lhes falar de alheiras.
Desde que seja do concelho de Mirandela, a alheira pode ter por nome : alheira de Mirandela.
Portanto, as melhores não são as que são fabricadas na cidade mas sim aquelas que são feitas com paciência, com muito trabalho, com aquela arte dos antigos, diria quase com amor, aquelas que são feitas nas aldeias.
Sim, com amor, porque a alheira era, antes de tudo, feita para a família ou para os amigos, e para a família, dá-se sempre o que há de melhor.
As que se podem encontrar nas lojas de Mirandela são feitas á pressa, quase nem tem tempo de secar para não perderem peso e nem sempre são de boa qualidade. Para resumir, diria que são feitas á pressa para gente apressada.
Ora, a alheira é muito mais do que isso. Não pode ser considerada únicamente como um produto importante da economia do concelho.
A alheira é um facto social e cultural que tem raízes na história da região, fala-nos das gentes e das várias culturas que por aqui passaram, dos seus usos e costumes, das suas fortunas e desgraças.
Mas o que poucos transmontanos sabem, é que a história da alheira começou nos fins do século XV (1498), quando o rei D. Manuel I e depois seu filho, D. João III, para encher os cofres do reino e equilibrar as finanças, decidiu expulsar os judeus. Alguns deles, eram queimados nas praças das cidades como Lisboa, Évora e mesmo Goa.
Os mais ricos fugiram para França, Itália e Flandres (Holanda). Mas os pobres, que não tinham dinheiro nem para fugir, nem para pagar o rei, viram-se obrigados a aceitar em tornar-se em "cristãos novos". 
Lá iam eles á igreja, depois de terem sido baptizados, recitar padres-nossos e credos embora quase sempre sem convicção. 
Mas o Santo Ofício rodava nas cidades e os filhos de Israel pensaram que estariam certamente mais em segurança nas aldeias transmontanas.
Assim se instalaram na região guardando por vezes um pouco da tradição religiosa que está em lenta extinção.
Mas os esbirros da inquisição vieram até as aldeias de Trás-os-Montes para verificarem quem não trabalhava ao sábado, quem não comia peixe sem escama nem carne de porco.
Foi então, num sobressalto de sobrevivência, que começaram a aparecer nas lareiras os doirados enchidos, a brilhar com tanta gordura, Chouriços tão luzidios, com tanta untuosidade, só podia ser casa de bom cristão.
E muitas vezes, os próprios membros da inquisição, sentavam-se à mesa com os judeus, comiam e bebiam á escacha e iam embora fartos mas enganados.
Enganados pela súbtil sagacidade dos perseguidos cristãos novos, que antes de meter
na tripa seca (de vaca) o sangue e a carne de porco, que a lei mosaica vedava, antes usavam a gorda galinha criada em casa, coelho do mato ou perdiz, tudo desfeito e amassado com pão de centeio, bastante azeite doirado e como condimento o sabor agressivo do alho silvestre.
Mas as mentalidades e os usos evoluem e as pessoas adaptam-se.
Hoje, as alheiras já não são feitas assim. Caça, já pouca há e eu não me lembro de ver meter perdizes ou coelhos nas alheiras. A carne predominante é o porco e a galinha.
Ainda há alguns anos, o porco era criado em casa mas nestes últimos anos os porcos já são comprados a negociantes e não têm o mesmo gosto.
Porém, a alheira continua a ser um manjar  tipicamente regional embora o seu paladar possa diferir de casa para casa.
A alheira é o resultado do cruzamento de culturas e mesmo de religiões. Um belo exemplo para nós.
No próximo post, vou-lhes contar como se fazem as alheiras.

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